Prezado Diego,
Continuemos. Você lidera uma comunidade de fé e seu perfil, bem como o meu, vem de uma tradição evangélica. Somos herdeiros, quer gostemos ou detestemos, do fundamentalismo estadunidense. Nosso berço foi construído por missionários enviados “para as terras pagãs brasileiras”, esse pessoal lutou para nos evangelizar!
Como terceira, ou quarta, geração depois das primeiras fornadas de missionários, só guardamos uns meros traços desse pedigree. O Brasil é realmente uma panela onde se misturaram diversos temperos culturais e raciais. Tenho certeza que os fundamentalistas que aportaram por aqui no começo do século XX já não reconheceriam as igrejas que inauguraram. Nos últimos 30 anos os evangélicos adquiriram outra identidade.
Eles têm um perfil religioso que se nacionalizou; ficou com outra cara ao incorporar rituais, símbolos e mitos tanto do catolicismo como das religiões afro-brasileiras. As novenas católicas, por exemplo, se aculturaram e passaram a ser chamadas de “corrente de oração”; as fitinhas do Senhor do Bonfim amarradas no braço (com outros dizeres, obviamente) guardam a mesma função de proteger como nos terreiros da Bahia.
Não faço um juízo de valores sobre tal sincretismo. Entendo que toda expressão religiosa, inclusive a judaica, absorve práticas e crenças de outras culturas – os estudiosos afirmam que o zoroastrismo influenciou bastante o judaísmo. Censuro o abrasileiramento dos evangélicos por razões éticas. Percebo oportunismo na esmagadora maioria dos líderes que adotaram as práticas afro-brasileiras e católicas, porque procuram lotar o templo a qualquer custo. Isso é ruim.
Diego, aqui está o seu desafio. Como contextualizar a mensagem sem descambar para um cinismo oportunista. É muito fácil seguir por atalhos na religião. Quando um sacerdote percebe o viés místico de uma determinada cultura e a manipula, reforça, com certeza, vai inchar o seu auditório. O que se observa no cenário religioso latino-americano é que igrejas se inflaram de gente interesseira, que busca um deus pelo que ele possa dar.
Perceba o cenário atual. A indústria do consumo martela diariamente que a felicidade chega junto com os últimos lançamentos tecnológicos do mercado. Acontece que a oferta de bens é maior do que o poder aquisitivo da maioria. Por isso, para contornar o problema, alongam-se os crediários - é possível comprar quase tudo em prestações a perder de vista. Agora, imagine um líder religioso, que se diz em perfeita sintonia com Deus, prometendo riqueza e prosperidade para quem obdecê-lo.
Essa mentalidade tornou-se tão difundida na cristandade latino-americana, que o culto deixou de ser um espaço onde se fomentam virtudes, vida, para tornar-se uma aula de auto-ajuda – ou de “psicologia-de-revista-de-fofoca”. Nessa toada, pastores prometem mundos e fundos, juram que todos os que ofertarem receberão de Deus cem vezes mais; tele-evangelistas propagandeiam milagres espetaculares, curas fantásticas e riquezas fáceis.
Mas quando se observam esses pretensos milagres com um mínimo de bom senso, nota-se que os discursos não passaram de charlatanismo confeitado com piedade.
Eles dão a entender que Deus se especializou em curar caroço, dor no braço, mal estar em velhinhas, mas se esqueceu das síndromes de Down, das paralisias cerebrais e das quadriplegias. Sou mortal, finito e bastante pecador, mas posso afirmar que se fosse Deus, com disposição para operar maravilhas, eu escolheria os mais carentes, os mais desamparados, os mais doloridos.
Por que Deus faria milagres menores, perfeitamente passíveis de serem curados pela medicina, para abandonar os indigentes que morrem de câncer nos hospitais? Por que a agonia gratuita e absurda de crianças continua nas favelas e nas comunidades ribeirinhas? Ainda: por que Deus emprestaria o seu nome para servir de propaganda para evangelistas com gravíssimos desvios éticos?
Escrevo para que você não se sinta diminuído ou menos “abençoado” por não participar da mentalidade que se difundiu entre os evangélicos. Sua vocação tem a ver com a construção de um mundo mais justo e mais humano. Sua missão é ajudar as pessoas a serem verdadeiras, solidárias; enfim parecidas com Jesus de Nazaré.
Por causa da graça, acredito que os milagres não são da competência de homens e mulheres – Deus não faz mais ou menos pelo número ou pela qualidade das nossas orações. Por causa da graça, acredito ser mais nobre nos dispormos a encarnar as mãos, boca e pés de Deus, do que implorar que ele resolva, por intervenção sobrenatural, os problemas da vida.
Soli Deo Gloria.
Ricardo Gondim
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008
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